A Interpretação da Cláusula de não Concorrência em Contratos Empresariais de Tecnologia.
- RAA. - Ribeiro Advogados Associados
- 8 de mai.
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"Se as empresas de tecnologia vierem a realizar um negócio jurídico que tenha como pressuposto ter a necessidade de acessar informações que envolvam segredos comerciais e know-how da outra parte, como desenhar o conteúdo da cláusula de não concorrência?"

As cláusulas de não concorrência fixadas em contratos empresariais de tecnologia são geralmente fixadas para proteger o know-how e segredos comerciais que impulsionam as inovações tecnológicas. É comum haver uma ampla restrição para coibir que haja abuso por parte dos contratantes e de seus colaboradores em uma eventual mobilidade no mercado ou mesmo transferência de tecnologia de uma empresa para outra que teve acesso.
Os Tribunais reconhecem que as cláusulas de não concorrência são válidas, desde que contemplem a fixação de um conteúdo material, tempo de vigência, limitação geográfica e pré-fixação de remuneração àquele que fica impedido de realizar a atividade econômica.
Se as empresas de tecnologia vierem a realizar um negócio jurídico que tenha como pressuposto ter a necessidade de acessar informações que envolvam segredos comerciais e know-how da outra parte, como desenhar o conteúdo da cláusula de não concorrência?
Importante notar, que não se está a falar em pactuação de não concorrência em contratos de trabalho, mas, em contratos empresariais, firmados entre fornecedor de tecnologia e cliente ou mesmo na hipótese entre fornecedores para demanda em cliente em comum ou prospecção de novos clientes. Nesse contexto, a racionalidade econômica da contratação não está em proteger a mobilidade do trabalhador, mas, coibir a concorrência desleal entre as empresas que atuam no mesmo mercado, de modo a proteger as soluções e inovações produzidas e oferecidas aos clientes. O segredo comercial e o know-how é o bem jurídico a ser tutelado.
Sob esse enfoque, o exame da validade da cláusula de não concorrência deve centrar foco no sentido dado aos requisitos material, geográfico e remuneratório, já que o temporal é mais fácil de identificar.
O requisito material exigido busca inibir o abuso do poder econômico sobre a prestação a que se pretende contratualizar. Por ter a conotação de proteger eventual lesão à liberdade econômica das empresas no mercado, a restrição a ser fixadas pela cláusula deve ser interpretação de forma restritiva. Para não ser objeto de questionamento, a cláusula deve se cingir ao objeto da prestação tecnológica a ser fornecida pela empresa. Fugir desse aspecto passa a haver um cenário de incerteza no sentido da estipulação.
A livre iniciativa é um direito fundamental previsto na Constituição. Em um eventual conflito horizontal entre empresas arguindo o direito à liberdade econômica em razão da concorrência, a mitigação é a exceção, havendo a necessidade de coibir apenas o excesso, mediante o uso da ponderação pelo princípio da proporcionalidade. Vejamos, por exemplo, a fixação de uma cláusula de não concorrência fixada em um contrato de desenvolvimento de software firmado entre o fornecedor de tecnologia e o cliente. Se o cliente viesse a contratar o contador da empresa de tecnologia não haveria descumprimento da cláusula. Mas, ao contrário, se houvesse a obrigação de contratar quaisquer profissionais, seria necessário analisar (i) se a restrição coibiria a atividade do profissional contratado, (ii) se haveria a manutenção da concorrência entre as empresas, (iii) se haveria risco de desvio de clientela.
O requisito da limitação geográfica estabelece a restrição da concorrência em determinada área que ocorra a disputa pelo mercado.
Não se desconhece a atual tendência de estabelecer a permissão de mobilidade do capital humano, impedindo a ampla restrição nos pactos de não concorrência. Mas, por outro lado, é importante que a concorrência seja preservada de modo a coibir o abuso de direito, principalmente quando haja falta do dever de boa-fé nas relações contratuais. O mercado da tecnologia demanda capital humano, sendo bastante comum atos de aliciamento de empregados e profissionais. Em razão da intensa busca por mão de obra especializada e do amplo mercado de atuação, as empresas tendem a fixar cláusulas de não concorrência para coibir condutas oportunistas de aliciamento de profissionais qualificados.
Essas condutas configuram atos de concorrência desleal que atentam contra a previsão de um pacto de não concorrência, ainda que haja a estipulação de que o requisito geográfico veja abranger limitação não somente o território nacional como internacional, caso ambas as empresas sejam concorrentes no mesmo mercado.
Nesse ponto, o requisito da limitação geográfica deve respeitar a razoabilidade, não podendo ser fixada restrição de concorrência em área geográfica que as empesas não sejam concorrentes no mercado. Se duas empresas concorrem no mercado de desenvolvimento de software na América Latina, por exemplo, a limitação ao mercado internacional se restringe nesse espaço geográfico, excetuando o restante dos continentes. Está em jogo proteger a concorrência desleal. É permitido que um colaborador deixe a empresa e vá trabalhar no concorrente do outro lado do atlântico, desde que não tenha acesso aos segredos comerciais da empresa concorrente atuante no mesmo mercado.
Não se trata de coibir a mobilidade do trabalhador para buscar melhores condições de emprego em qualquer localidade, mas, coibir a concorrência desleal entre as empresas que atuam no mesmo mercado de tecnologia, de modo a proteger as soluções e inovações produzidas e oferecidas aos clientes. Com a globalização, as empresas de tecnologia tendem a oferecer suas soluções para clientes em quaisquer locais, sem que haja uma limitação geográfica específica tal como exigido pela doutrina e jurisprudência atual para reconhecer a validade da cláusula de não concorrência.
A cláusula de não concorrência nos contratos empresariais de tecnologia deve atender a sua função de tutelar o segredo comercial e o know-how nas soluções desenvolvidas pelos agentes econômicos, sempre procurando harmonizar com o objeto da prestação e o dever da boa-fé. Sua estipulação pressupõe que o vínculo tenha sido estabelecido entre partes cujo padrão de comportamento esperado pressupõe que não haja oportunismo nas condutas de modo a subtrair o segredo comercial, o know-how e a inovação, sem prévia autorização.
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